Ao ler o meu arremedo de conto, que tive o cuidado de lhe enviar, via postal, escreve-me assim um amigo, procurando disfarsar crítica negativa, em homenagem à velha amizade que nos une.
"gil:
Em anexo junto o jornal de hoje onde aparece a crítica que me pediste, referente ao teu último conto.
Este também não foi publicado, mas agradeço-te por mo teres enviado numa altura em que me faltavam ideias para a coluna que a redacção me destinou.
Um abraço. Esteves."
Desdobrei o Jornal e li, surpreendido:
"(...) Juntamente com a carta vinha um conto e um pedido de crítica.
Era um conto infantil, que a saudade dos filhos lhe ditara.
Lindo, nobre e vibrante, fora por certo inspirado pela "tragédia" do esmagamento da sua individualidade na solidão oprimida de alguma viagem no "minhocas" superlotado.
Contava a história de um mundo subterrâneo onde um jovem combo-hito (lembro-me de que ele metia um agá no meio disto!) lutava contra a opressão de um rei comboio todo poderoso.
A luta era árdua.
O Combo-Hito queria estudar e não podia.
O rei não deixava; não havia escola; todos tinham de trabalhar duramente de manhã à noite.
Ele via o pai, um velho e cansado comboio de mercadorias, esmagado por serviços violentos durante horas a fio.
O pai e os outros.
A escola era luxo proibido, a vida dura, a ignorância profunda, levando ao fatalismo, à aceitação.
Combo-Hito luta, fala, discute, faz pensar, mobiliza.
Ao princípio os comboios assustam-se, têm medo, mas acabam por se decidir e vão para a luta.
Reunem-se e reclamam; são reprimidos e fazem greve; são pressionados mas persistem e, finalmente, o rei cede.
Vai haver serviço menos duro, melhores condições de vida para todos e, finalmente, livros e escolas para todos os combohitos.
Era de facto uma bela história, simples, muito bem contada, emotiva e directa.
Lá estava toda a beleza de uma juventude que rompe as cadeias do obscurantismo, quebra as grilhetas do medo e se ergue, activa e inteligente, a despertar os outros, a fazer-lhes sentir necessidades ignoradas e possibilidades desejáveis e a mobilizá-los depois para a luta até à vitória final.
Uma bela história sem dúvida só que tinha um erro:"
(continua)
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